Colunistas Paulo Oliveira

KATERRA: um final dramático, mas um exemplo do qual devemos extrair boas lições

katerra

Tenho recebido uma série de artigos e de questionamentos de amigos sobre a repercussão dos problemas enfrentados pela KATERRA, fundada e 2015, que foi a maior startup do setor de construção, com sede em Menlo Park, na Califórnia, tendo captado cerca de US$ 2 bilhões, a maior parte destes recursos provenientes do grupo japonês SoftBank.

No ano passado, as adversidades sofridas pela KATERRA já eram evidentes, quando teve início uma investigação da Comissão de Valores Imobiliários dos EUA, em relação às práticas contábeis da empresa. A KATERRA nasceu com um plano ambicioso de sacudir a indústria da construção com fábricas eficientes, automatizadas e robotizadas, numa operação off-site para fabricar praticamente tudo: componentes industrializados, módulos e painéis, através de sistema construtivo de madeira engenheirada (mass timber), chegando a ter mais de 8 mil colaboradores nos EUA, Índia, China e Oriente Médio. Os relatos, não confirmados, mencionam que a Katerra suspenderá as operações em junho e tem como fundamento um e-mail da empresa para os funcionários de 01/06/2021, informando que encerrará a maior parte de suas operações comerciais nos EUA e demitirá grande parte de sua equipe no país.

A KATERRA alega interrupção do abastecimento de insumos, relacionado à pandemia COVID-19, com aumento significativo de custos de mão-de-obra e de materiais, impactando fortemente os seus contratos de fornecimento. Este é um problema que tem afetado o setor de construção globalmente, inclusive no Brasil.

 Em 2019, após um investimento relevante, a empresa inaugurou uma fábrica de 25.000m2 de madeira engenheirada, em Spokane Valley, Washington. Trata-se da maior instalação de industrialização de componentes de madeira na América do Norte, além de ser “o estado da arte” para este tipo de produção. Esta movimentação da KATERRA foi considerada como um passo importante para que a empresa pudesse explorar este sistema construtivo globalmente, num futuro próximo. Sem a pretensão de fazer uma análise aprofundada, é fato que a KATERRA teve dificuldades na integração de empresas adquiridas e também para justificar a viabilidade dos seus negócios, partindo num prazo muito curto para uma escala gigante, que sabemos não ser fácil no setor de construção, cuja cadeia de valor tem elevado grau de complexidade e elos delicados. Deficiências e necessidade de aperfeiçoar seus módulos e ainda, lidar com atrasos na construção, foram outras questões enfrentadas.

Vale destacar aqui que para uma operação mais “hardware”, diferentemente de proptechs e fintechs, numa construtech não vale o conceito “startup-way”, lançando produtos ainda não maduros e aperfeiçoando-os na medida em que falhas são encontradas ou reclamadas pelos clientes.

Tenho defendido fortemente este ponto, que os investidores precisam analisar com atenção, uma vez que competência e experiência em engenharia e projeto são essenciais para a gestão adequada e para o sucesso de qualquer startup ou operação de construção, por mais inovadora, automatizada e digitalizada que seja. Certamente o domínio de Pré-construção, BIM e Fast construction, bem como de ferramentas, tais como: Engenharia e Análise do Valor (EAV), Target Costing, Lean Construction e Engenharia Simultânea, são mais do que desejáveis e bem-vindos, para um ambiente que exige qualidade, produtividade e projetos inteligentes, que certamente se transformarão em produtos eficazes.

 Há outras questões pertinentes ao próprio modelo de negócio que optou por uma verticalização extrema, atuando como projetista, fabricante de componentes industrializados, de módulos e de painéis e ainda, construtora/montadora. Trata-se de uma estratégia de alto risco, sobretudo na escala da KATERRA. Além disso, a verticalização extrema impõe custos relevantes e alguma ociosidade, que também gera aumento de custos. Compõe o conjunto de preocupações e requisitos mínimos para o sucesso de uma empresa eficaz de construção off-site, a inteligência em logística e suprimentos (procurement, supply chain e logística reversa), diferentemente de uma operação tradicional de construção e com foco extremo no custo dos produtos e nos resultados planejados. Também tem sido tema de comentários de diversos segmentos do ecossistema da construção, as dificuldades de gestão enfrentadas pela KATERRA, desde o início de sua operação, bem como a falta de alinhamento no C-level da organização, cujas críticas se intensificaram de um ano para cá.

Houve um excesso de entusiasmo por uma operação voltada para o setor de construção ter tido forte origem numa gestão oriunda do setor de tecnologia. Destaca-se ainda um board com experiência limitada em engenharia e construção. Certamente, conhecimento no mercado de atuação e no negócio são sempre fatores críticos para o sucesso de qualquer operação. As empresas precisam de uma estratégia clara, de liderança competente e de uma operação equilibrada e bem gerida e, por mais tecnológica que seja, com os recursos humanos no cerne do negócio e como o seu principal ativo. Numa escala gigante, estes pontos são ainda mais críticas. Sem dúvida, trata-se de uma notícia triste e de grande impacto para a construção modular no mundo todo, que perde uma startup gigante.

Mas a lição que temos que extrair disso é nos aprofundarmos num estudo de caso e no entendimento das causas dos problemas que levaram a KATERRA a esta triste situação, como um alerta para não cometermos os mesmos erros no futuro. Vale enfatizar que este fato não afetará o futuro da construção modular, que deverá continuar crescendo, globalmente, a uma taxa média de 6,9% ao ano nos próximos anos (o dobro da construção tradicional) e que dobrou de tamanho nos últimos 5 anos, segundo a Markets&Markets.

Há inúmeros casos de sucesso no mundo e também no Brasil. O futuro da construção necessariamente se dará através da construção off-site e da construção modular. Não há outra forma de gerar ganhos de produtividade, qualidade e desempenho suficientes para suprir as crescentes demandas de infraestrutura social, habitacional, educacional, de saúde, de transporte e de serviços públicos.

Precisamos de edificações mais eficazes, de menor custo e mais sustentáveis e o caminho para isso já está mais do que claro: foco na eliminação dos gargalos para permitir a aceleração do crescimento da construção off-site e da construção modular! Welcome future!

Sobre o autor:
Paulo Oliveira – Engenheiro civil, PMP, consultor, conselheiro e mentor. CEO da ARATAU Construção Modular.
Contato: 

paulo.oliveira@arataumodular.com

https://linktr.ee/aratau

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