Crise deve levar o país a um cenário de mais desemprego, menos renda e quadro fiscal muito pior, o país perde força.
A expectativa de uma recuperação mais lenta da economia, após a forte queda da atividade neste ano, tem ganhado força entre analistas, por causa do legado negativo que a crise do coronavírus deve deixar ao país. Há, contudo, quem aposte em retomada mais acelerada já que, no aspecto macroeconômico, o Brasil estava em condições melhores do que em crises anteriores.
Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) projetam uma recuperação modesta do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no próximo ano, após estimarem um tombo, de 5% e de 5,3%, respectivamente em 2020. Para 2021, enquanto o primeiro vê uma alta de apenas 1,5%, o Fundo estima crescimento de 2,9%. Tais previsões são compartilhadas por vários economistas locais. Mas na ponta mais positiva, analistas veem um cenário em que o PIB pode crescer entre 4% e 5% no ano que vem.
Seja como for, é consenso que a crise apresenta um quadro de desemprego, famílias com uma perda relevante de renda e um quadro fiscal pior do se esperava há bem pouco tempo. Perda de produtividade e de potencial de crescimento também estão na conta.
“Não acredito em recuperação em V”, diz Gustavo Ribeiro, economista-chefe do ASA Bank, que prevê queda de 5% no PIB em 2020, seguida de alta de 2,5% em 2021. A avaliação do FMI, de que esta será uma recessão profunda que deixará cicatrizes, se encaixa no contexto brasileiro, diz ele. “O Fundo projeta uma recuperação no mundo e no Brasil sem retomar o nível de produto anterior à crise.” No caso brasileiro, uma volta ao do nível do PIB de 2014, anterior à última recessão, foi adiada deste ano para algo em torno de 2023, observa.
O aumento do desemprego vai deter uma retomada mais acelerada, diz Ribeiro. “Esse é um dos principais pontos pelos quais não apostamos numa volta mais forte.” A taxa de desocupação deve disparar cerca de três pontos percentuais, para 14,5%, ainda neste primeiro semestre e passaria a cair em 2021, mas o país conviverá com taxas de dois dígitos por um bom tempo, prevê.
“Sem as medidas de proteção ao emprego anunciadas pelo governo, certamente o cenário seria pior. Mas elas não devem ser suficientes para impedir o avanço da desocupação”, afirma. Ribeiro cita outros entraves ao crescimento mais rápido, como a falta de espaço para a expansão do crédito às famílias e a diminuição do caixa das empresas. “A saúde financeira do setor privado não vai voltar rapidamente ao nível pré-crise”, diz. Ele ainda ressalta que o Brasil, como o mundo, sairá da crise mais endividado e com uma demanda maior por gastos, na área de saúde e assistência social.
A saída gradual do isolamento e a forte queda do comércio internacional são os fatores que devem levar um crescimento do PIB em torno de 2,5% em 2021 após queda de 5% em 2020, afirma Marcelo Gazzano, economista da A.C. Pastore & Associados.
“Esta é uma recessão sincronizada, que afeta os parceiros comerciais do país ao mesmo tempo”, diz, apontando também a piora do canal financeiro, com a queda dos preços das commodities. Isso é suficiente para colocar por terra uma recuperação em V, diz. O cenário ainda mais desafiador para as exportações indica que não só o setor externo não será propulsor de uma recuperação, como tende a aprofundar a recessão deste ano.
Gazzano ainda não tem uma estimativa para o desemprego, mas diz que é certo que haverá destruição de vagas, a despeito das medidas tomadas. Ele considera as ações do governo e do Banco Central abrangentes, mas o resultado delas é uma incógnita. “O que está se tentando fazer é tentar manter o PIB potencial. Mas não há base de comparação histórica para saber se as medidas vão ter sucesso”, diz.
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Um dos principais legados da crise, na visão do economista da A.C. Pastore é que só o teto de gastos e reformas como a administrativa não vão garantir que a relação dívida bruta/PIB caia até o fim da regra, em 2027. “Terá que se fazer cortes de gastos ainda maiores ou aumentar a carga tributária. A crise vai deixar uma conta alta que todos teremos que pagar.”
Na ponta positiva, o Itaú estima uma queda menor do PIB em 2020, de 2,5%, e um crescimento de 4,7% em 2021. Para o banco, juros e inflação baixos e condições financeiras menos apertadas vão permitir que a economia se normalize mais rapidamente que na recessão de 2015/2016. O ajuste nas contas públicas anterior à crise do coronavírus também vai ajudar, apesar do nível mais elevado da dívida.
O Banco Inter tem estimativas nessa linha, de queda de 1,7% em 2020 (que deve ser revista para algo em torno de 2,5%) e crescimento de 4% em 2021. Para a economista-chefe da instituição, Rafaela Vitória, as projeções de queda de 5% no PIB são exageradas. “O FMI está superestimando o efeito da pandemia no Brasil, que não tem tido a mesma intensidade da Europa ou dos Estados Unidos”, diz. Ela avalia que a proteção ao emprego vai permitir uma retomada mais rápida já a partir do segundo semestre deste ano.
No segundo trimestre, prevê, o PIB pode recuar 10% em relação ao primeiro. Mas a retomada deve se iniciar no terceiro trimestre, quando a atividade deve chegar a um nível compatível com o mesmo período do ano passado. Nas contas da economista, o desemprego pode chegar a 14%, mas deve voltar para perto de 12,5% no fim do ano. Ela aponta que elementos novos, como a reforma trabalhista, podem mitigar o aumento da desocupação. “É difícil comparar com crises passadas, mas podemos ter surpresa positiva nessa frente.”
Outro fator que deve impulsionar o PIB em 2021, diz, é o crescimento da China no ano que vem, estimado em 9,2% pelo FMI, que prevê alta de 2,9% no PIB brasileiro. “Se houver essa retomada lá, a expansão no Brasil será mais forte.”
Rafaela, assim como os demais economistas, pondera que as estimativas são muito preliminares pelo ineditismo da crise e que o maior risco é o descontrole da pandemia no país. “É o grande risco. Se tivermos uma segunda onda de contaminação e o isolamento social tiver se ser estendido, o processo de queda da e recuperação da atividade seria bem mais estendido”, afirma.