Muitas construtoras vêm buscando, há muito tempo e por diversas maneiras, processos que promovam a melhoria contínua.
Por exemplo, através de iniciativas de gestão da qualidade que criam grupos de funcionários para discutir e aperfeiçoar atividades. O poder disso fica claro quando vemos companhias de diversos outros setores mobilizando milhares de pessoas, na base, para resolver problemas diariamente, fazendo com que as empresas sejam muito mais eficientes e competitivas.
Na construção, entretanto, podemos dizer que são raros os casos em que essa cultura de melhoria contínua criou raízes, teve continuidade e resultados consistentes.
Certamente, certas características do setor, como a produção por projetos e o uso intensivo de mão de obra terceirizada, são fatores que dificultam, mas não impedem que a melhoria contínua tenha maior profundidade e perenidade no sistema de gestão da empresa, de forma que seja levada a todos os canteiros e escritórios.
Como esse objetivo pode ser atingido? A filosofia lean é chave para que isso aconteça. Podemos dizer que o lean combina dois “motores” de melhoria.
O primeiro é a mudança radical nos processos e na forma como o trabalho é realizado, usando os princípios de fluxo contínuo, fluxo de valor direto e simples, sistema puxado, qualidade na fonte etc., sempre visando agregar mais valor aos clientes e eliminar desperdícios.
O segundo “motor” se baseia num conceito fundamental do lean, que é o Gerenciamento Diário (GD), através do qual qualquer variação nesse novo processo é detectada rapidamente, o que desencadeia ações imediatas pelas equipes envolvidas, gerando uma constante melhoria desses processos e reforçando desempenhos e resultados.
Diversas construtoras estão experimentando bons resultados ao aplicar o lean, mas ainda o fazem de forma parcial. Perdem a oportunidade de ter resultados muito maiores e mais permanentes ao não criarem um efetivo GD que se incorpore à cultura da empresa e gere a melhoria contínua com a participação de todos.
Um livro recente, intitulado “Gerenciamento Diário para executar a estratégia”, de autoria de José Ferro e Robson Gouveia, foi muito feliz ao trazer, em detalhes, quais são os elementos mais importantes do GD e como implementá-los nas empresas.
Nessa obra, fica claro que um efetivo GD se baseia em rotinas de gestão, apoiadas por um quadro de gerenciamento visual, que promovam a interação das equipes para a manutenção dos padrões e objetivos, solucionando problemas rapidamente e realizando, na prática, a melhoria contínua.
Basicamente, um GD completo abrange três blocos: o compromisso (propósito e objetivos, histórico e papéis), as variáveis de controle (indicadores que serão acompanhados todos os dias, padrões e cadeia de ajuda) e a solução de problemas.
As construtoras que fazem alguma rotina de reuniões diárias (por exemplo, check-in / check-out, reuniões diárias do Last Planner System etc.) usam parte do que seria um GD completo. Em geral, focam no previsto/realizado do dia, o que é fundamental, mas muitas vezes não aprofundam outros elementos importantes, como a conexão dos objetivos daquela área ou serviço com objetivos maiores da obra e da empresa, a exposição dos padrões de trabalho, a cadeia de ajuda etc.
E, principalmente, na maioria dos casos, fazem muito superficialmente a solução de problemas, limitando-se a contenções imediatas, sem efetivamente entender e eliminar as causas raízes, o que evitaria que os mesmos problemas ocorressem recorrentemente, o que é muito comum.
Um GD efetivo deve integrar o nível operacional (por exemplo, por frente de serviço em uma obra ou por áreas administrativas) e o nível gerencial (por exemplo, em cada obra ou mesmo na empresa toda), fazendo parte da forma como a companhia desdobra e acompanha os objetivos, substituindo formas tradicionais e burocráticas que muitas vezes servem somente para lamentações e justificativas.
Para que esse efetivo GD aconteça, o elemento chave é a liderança realmente valorizá-lo, usando-o como instrumento de gestão e de interação com as equipes, desenvolvendo as pessoas como solucionadoras de problemas e promovendo a cultura lean.
A construção vem avançando no entendimento e no uso de alguns conceitos lean e já colhe resultados com isso. A efetiva utilização do GD, em sua plenitude, é um próximo passo, que é, na verdade, indispensável. É mais difícil do que aplicar somente algumas ferramentas isoladas, por envolver gestão e cultura. No entanto, sem isso, até mesmo os bons resultados iniciais correm o risco de se perder. E os resultados adicionais que podem ser conseguidos com certeza vão levar as empresas a um patamar de competitividade bastante superior.
Sobre o autor:
Flávio A. Picchi: presidente do Lean Institute Brasil e professor da Unicamp.
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