Segundo especialistas, conectividade precária longe dos centros dificulta entrada da nova tecnologia. A regularização para instalar pequenas antenas para conexão à internet móvel avança na capital paulista e cria parte da infraestrutura para a chegada do 5G nos próximos anos. No entanto, a conectividade da periferia ainda é um gargalo para a expansão da nova tecnologia no município de São Paulo.
Há pouco mais de duas semanas, a prefeitura editou um decreto que regulamenta a instalação das chamadas small cells (células pequenas, numa tradução livre para o sistema), um pequeno conjunto de equipamentos de radiofrequência que podem ser alocados em postes ou fachadas, dispensando obras de construção civil. Elas também são chamadas de mini ERBs (miniestações de radiobase que, na simplificação, são antenas).
A prefeitura não dispunha de regulação para esse tipo de equipamento de conexão, considerado essencial para comunicações por 5G, a quinta geração de internet móvel que deve chegar ao consumidor nos próximos dois ou três anos, de acordo com estimativas do setor. Após a publicação do decreto, a Câmara Municipal de Vereadores considerou sustar a medida, mas voltou atrás dias depois e agora está vigente.
A nova regulamentação diz que os equipamentos devem ficar ocultos do mobiliário urbano ou enterrados. Como são de pequeno porte, as antenas serão instaladas em postes de iluminação pública ou privados com altura inferior a 25 metros.
O setor de telecomunicações, que há mais de sete anos pleiteia uma revisão na legislação sobre antenas em São Paulo, encarou o decreto do prefeito Bruno Covas (PSDB-SP) um avanço, embora destaque que é insuficiente para levar internet de qualidade para as bordas do município.
As small cells são adequadas para melhorar a cobertura do sinal em áreas com alta concentração de pessoas. Como o 5G tem uma frequência muito superior às tecnologias atuais e demanda mais antenas para o bom funcionamento em pontos centrais, esses sistemas suprem parte da demanda.
“Esses equipamentos ajudam a resolver parte do 5G, mas não cumprem papel total de cobertura. As estruturas tradicionais continuam existindo para promover sinal de longa distância. Questões de áreas carentes de internet se resolvem com cobertura tradicional”, diz Luciano Stutz, presidente da Abrintel (Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações).
A cobertura tradicional demanda obras e licenciamento público tanto para levar a fibra ótica quanto para a implementação de torres – as estruturas de aço que suportam antenas maiores, como as presentes na av. Paulista. A implantação desse tipo de estrutura é regida por legislação de 2004, que impõe alguns critérios difíceis de contemplar em 2020, de acordo com operadores.
“A rua precisa ter 10 metros de largura. Em bairros carentes, não é possível atender assim. A lei também ficou velha em razão da evolução tecnológica. O que a lei prevê é uma antena que não existe mais, as antenas hoje são pequenas”, diz o economista Marcos Ferrai, presidente do SindiTelebrasil, sindicato que reúne as principais operadoras.
Há cerca de 1.800 pedidos de licença para implantação de antenas na prefeitura de São Paulo. A estimativa do SindiTelebrasil é que a liberação dessa leva possa destravar cerca de R$ 2 bilhões em investimentos. Com a regulamentação das miniestações, parte disso é solucionado.
As associações empresariais defendem, no entanto, uma nova lei para a cidade. Desde 2014, tramita na Câmara de Vereadores projeto que desburocratizaria a instalação de antenas por operadoras. No âmbito federal, há iniciativas semelhantes, propondo revisões na Lei Geral das Antenas, de 2015.
A gestão de João Doria (PSDB-SP) na prefeitura tentou aprovar uma nova lei municipal, mas na época vereadores se opuseram entendendo que o Executivo havia atravessado a Câmara. A CPI das Antenas, que fiscalizou e multou uma série de de operações na cidade, também ajudou a travar a tramitação.
A recomendação é que uma relação ideal de usuários por antena seja de 1.000 a 1.500. A capital paulista tem mais de 18 milhões de serviços móveis contratados. A Abrintel estima que a proporção na cidade ultrapasse 2.100. Ao considerar pessoas que trafegam pelo município durante o dia, são 3.500 usuários por ERB.
No bairro Cidade Ademar, são 18.500 pessoas por antena, o que joga a qualidade de acesso para baixo, ainda mais no cenário em que grande parte de estudantes, por exemplo, realizam atividades de ensino exclusivamente pelo celular. O setor estima que seja preciso triplicar o número de ERBs para atender à população, além de investimentos em fibra para locais com acesso precário.
“O 5G vai precisar de muitas ERBs, porque quanto maior a capacidade de transmissão, menor o alcance de abrangência da antena, mas não adianta só ter antena, 5G demanda muita fibra ótica também, e a fibra ótica está nas áreas ricas em São Paulo”, diz Flávia Lefèvere, advogada especialista em telecomunicações.
Ela ressalta que o decreto remove barreiras para a instalação de antenas, como sugeriu o Comitê Gestor da Internet para o período de pandemia, mas que peca em não solicitar contrapartidas, como garantir que parte das instalações sejam feitas em áreas com defasagem de infraestrutura.
Nas classes D e E, 85% da população conectadas acessa a internet somente pelo celular; na classe C, a fatia é de 61%, segundo dados do Cetic.br. Em tempos de ensino remoto, apenas 39% das crianças e adolescentes da classe C acessam a rede por meio de um computador, valor que cai para 21% na classe E.