Nas corretoras da bolsa, clima foi de apreensão, redução de riscos e até de compras.
Depois de a pessoa física ter migrado para a bolsa a fim de buscar retornos potencialmente maiores do que na renda fixa, muitos investidores viveram ontem o seu primeiro pregão de “circuit breaker”, em que os negócios são paralisados na B3 ao bater num limite de baixa. O Ibovespa teve desvalorização de 10% durante a manhã e o mecanismo foi acionado, suspendendo as transações por 30 minutos. No fim do dia, o índice teve desvalorização de 12,17%.
Até aqui, era justamente a pessoa física, juntamente com os gestores de fundos, que vinha assegurando fluxo positivo para a bolsa. No acumulado do ano, até 5 de março, houve entrada líquida de R$ 11,869 bilhões — o estrangeiro, na contramão, retirou R$ 45,8 bilhões. Desde o fim de 2018, o número de CPFs cadastrados na B3 saiu de 813,3 mil para 1,9 milhão de contas, incluindo os segmentos de ações e fundos imobiliários. Basta saber se o investidor individual vai aguentar o tranco.
Nas corretoras, o clima foi de nervosismo. Parte dos clientes zerou posições no prejuízo, reduzindo a exposição a esse tipo de risco. Outros, com mais sangue-frio, aproveitaram para ir às compras.
Na Mirae, a recomendação para quem não tinha Petrobras na carteira foi segurar as posições, diz o diretor de operações Pablo Spyer. Mas para quem possuía os papéis da estatal na carteira, a decisão foi mais individual.
“É uma guerra mundial de preços, não é algo simples, não dá para saber quais os desdobramentos, porque esses dependem de poucas mentes”, afirma. No domingo a Arábia Saudita decidiu cortar os preços do barril de petróleo e aumentar a produção, desencadeando uma disputa com outro grande produtor, a Rússia. Por aqui, os papéis da Petrobras chegaram a recuar mais de 30%.
Desde quinta-feira, quando fez a sua revisão trimestral de alocação com os investidores, Luis Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos, recomendou a redução de ativos mais voláteis na carteira, como ações e títulos públicos com vencimento longo. Numa escala que vai de -2 a +2, bolsa ficou com uma nota +1, ou seja ainda com exposição acima da média de mercado. “Não é uma indicação pessimista para a bolsa, mas vai oscilar bastante e pode ter um viés maior de baixa”, afirma. “As pessoas estão assustadas.”
A redução das posições ajuda a potencializar o movimento de queda. Conforme cita Pereira, a disseminação do coronavírus pode desacelerar a economia global, enquanto a crise no setor de petróleo pode resultar em problemas de crédito para as empresas dessa cadeia. “Já havia dificuldade de saber o impacto da queda de demanda no ‘valuation’ com o coronavírus, e agora tem o risco adicional de crédito no setor de óleo e gás”, explica.
A redução do risco também tem o objetivo de reenquadrar a carteira ao perfil do cliente. “O aumento da volatilidade foi muito rápido e relevante. A volatilidade implícita nem condiz muito com a realidade [o real risco de perda], mas o momento é de se desfazer, sim, realizar prejuízo para manter a volatilidade em nível mais adequado. Na prática, é mesmo desconfortável.”
O resultado é que houve um movimento de venda generalizado partindo da pessoa física, com poucos aproveitando para garimpar oportunidades. “Ser um ‘trader contrarium’ nunca é fácil e, principalmente, exige muita liquidez.” Embora o investidor de giro rápido não seja o perfil do cliente da Guide, ele diz que, no mercado, quem estava alavancado (operando acima do patrimônio) teve que usar capital para cobrir margens em negociações com derivativos.
Debutando no caos
O primeiro “circuit breaker” desde o “Joesley Day” — o pregão de 18 de maio de 2017, dia seguinte ao vazamento da conversa do empresário Joesley Batista com o então presidente Michel Temer — pegou os investidores novatos desprevenidos, diz o diretor da Nova Futura João Ferreira. A postura foi tentar acalmar os ânimos.
(Fonte: Valor Investe)