Leilões de saneamento bem-sucedidos mostram disposição do setor privado para investir. Pedidos de impugnação põe em xeque nova fase do setor.
A primeira leva de leilões de saneamento realizada sob a nova legislação do setor tem gerado uma série de questionamentos e pedidos de impugnação dos editais – com o potencial de evoluírem para disputas na Justiça. As críticas vêm tanto de municípios quanto das próprias empresas interessadas nos projetos.
De um lado, parte do setor se diz frustrada: após tantos anos buscando uma melhora do ambiente jurídico e regulatório, as próprias companhias deverão barrar a realização de projetos, passando uma mensagem de que o mercado não amadureceu, dizem fontes, que falaram sob condição de anonimato.
De outro, a percepção de interessados é que alguns editais têm falhas graves, e que a continuidade dos processos é que pode deixar um legado negativo ao setor.
No caso da Parceria Público-Privada (PPP) de Cariacica (ES), que seria a primeira concorrência de uma série de leilões de saneamento neste ano, o BNDES decidiu adiar a licitação, após o recebimento de mais de 500 pedidos de esclarecimento das empresas e dois pedidos de impugnação do edital. A disputa, que ocorreria hoje, passou para o dia 20 de outubro.
A empresa de engenharia Allonda, autora de um dos pedidos de impugnação, diz que buscou o adiamento da concorrência devido às restrições de mobilidade impostas pela pandemia. Segundo analistas, há expectativa de que surjam novas contestações.
Outro projeto que certamente será alvo de pedidos de impugnação – e, potencialmente, judicialização – é a PPP de esgoto da Empresa de Saneamento do Estado de Mato Grosso do Sul (Sanesul), cujo leilão está marcado para 23 de setembro. A expectativa é que ao menos uma contestação seja protocolada nesta segunda.
A percepção de quem acompanha de perto os processos é que o projeto da Sanesul traz muita incerteza jurídica, principalmente após a aprovação do novo marco legal. Ao menos dois pontos são apontados como problemáticos.
O primeiro é o fato de que todos os 68 municípios que compõem o bloco têm contratos de programa com a Sanesul com prazo inferior ao da PPP – ou seja, há risco de a concessão se esvaziar. Como a nova lei do saneamento impediu a renovação desses acordos, grupos defendem a reformulação do projeto.
A Sanesul garante que, caso não seja possível fazer a renovação dos contratos, o operador terá direito a um reequilíbrio econômico-financeiro. Para um analista, porém, não faz sentido lançar o projeto já sabendo que será preciso reequilibrá-lo no futuro.
Outro questionamento é em relação a uma limitação criada pela nova lei: as estatais agora podem subdelegar apenas 25% dos serviços a um ente privado – uma forma de evitar que a estatal se torne um “atravessador”. A Sanesul também nega que esse seja um problema, já que se trata de uma PPP e não de uma subdelegação. Para dois advogados ouvidos, porém há espaço para controvérsia em relação a esse ponto.
A BRK Ambiental foi apontada como provável autora de pedidos de impugnação. Procurado, o grupo diz que “o marco regulatório é recente e, portanto, é esperado que projetos que tenham sido modelados anteriormente precisem se adaptar às novas regras, para dar segurança jurídica”.
Recentemente, foi lançada mais uma concessão de saneamento, do município de Petrolina (PE). O projeto é apontado por operadores como interessante. Porém, a avaliação é que o processo já nasceu com vícios.
Uma crítica é que o edital, lançado no fim de agosto, dá apenas 30 dias até o dia do leilão. Como se trata de um contrato estimado em mais de R$ 5 bilhões de receita, o prazo foi considerado curto demais. Além disso, a cidade trava uma batalha judicial com a Companhia Pernambucana de Saneamento, com quem a prefeitura rompeu, em 2012, gerando uma disputa que pode trazer insegurança jurídica. Procurado, o município disse que o prazo de 30 dias está dentro das normas legais, e que a disputa com a estatal não trará prejuízos ao processo.
A concessão da região metropolitana de Maceió (AL), o primeiro projeto estadual modelado pelo BNDES, também foi alvo de pedidos de impugnação, mas neste caso por parte de um dos municípios que compõe o bloco, Barra de Santo Antônio. A cidade era contrária à concessão, mas perdeu a votação com as demais cidades. O pedido foi negado – pela regra, apenas interessados podem pedir impugnação, o que não é o caso. Porém, ainda há risco de a prefeitura buscar formas de barrar a disputa. No governo, a avaliação é que esse tipo de contestação é natural e esperado.
O caso de oposição municipal a um projeto regional deverá se repetir, em escala muito maior, no leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). O processo sofre resistência da capital fluminense. Mesmo sem o edital publicado, a prefeitura já tenta obstruir a concorrência de diversas formas.
Fonte: Valor Econômico (14/09/20)