A hotelaria, que sempre foi o braço forte de muitas cidades que vivem em sua grande parte do turismo, está com seus dias de glória no passado e o Mercado Imobiliário percebeu aí uma oportunidade de trazer novos conceitos de moradia para a cidade Maravilhosa.
Os projetos de Coliving crescem rapidamente, trazendo assim uma solução para quem corria o risco de ver na cidade gigantes abandonados.
Pelos corredores do Hotel Novo Mundo, no Rio de Janeiro, por onde passaram nomes como Pelé e Juscelino Kubitschek, hoje circulam residentes da moradia estudantil Uliving. No icônico Hotel Gloria, vizinho da zona sul carioca, os quartos que já acomodaram no passado 19 presidentes darão lugar a um residencial de luxo. Dois dos maiores símbolos da hotelaria local retratam uma tendência de transformação de uso dos empreendimentos que vem ganhando força. De um lado, o setor de turismo vive uma crise profunda, sem perspectiva de melhora no curto prazo. Do outro, investidores de demais segmentos imobiliários buscam alternativas de retorno em um cenário de taxas de juros em baixa.
A tempestade perfeita que atingiu o Rio de Janeiro coloca a cidade como principal alvo dos investidores. A abertura de novos hotéis para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016 gerou uma superoferta de quartos. A situação vinha crítica desde a recessão que assolou o País a partir de 2015, e se agravou muito com a pandemia.
A expectativa é de que o quadro severo ajude a tirar do papel uma lei municipal que torna mais simples e menos onerosa a conversão de uso, com menor exigência de garagens para os residenciais, por exemplo.
Segundo o presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro (Hotéis Rio), Alfredo Lopes, as discussões com a Câmara Municipal avançam desde o início do ano. “(A lei) é necessária, senão vão ter prédios fechados e sem utilização”, afirma Lopes, em referência aos hotéis desativados ou sob risco de fechamento. Ele estima o potencial de conversão em 2.000 quartos, de um total de pouco mais de 40 mil na cidade, e cita ainda interesse de hospitais nos pontos.
Os investidores têm se movimentando antes mesmo da nova regulamentação. O projeto do Hotel Gloria, por exemplo, é capitaneado pelo fundo imobiliário do Opportunity – a operação foi arrematada do fundo soberano Mubadala, que recebeu o negócio em transações com o empresário Eike Batista. O Novo Mundo foi comprado pela empresa de moradias estudantis Uliving, que tem entre os investidores o family office britânico Grosvenor e a gestora VBI Real State.
A fila dos interessados inclui ainda a incorporadora Bait, com sócios oriundos do mercado financeiro, entre eles dois nomes da família Klabin. O grupo disputou a concorrência do Hotel Gloria e segue em busca de oportunidades nesse nicho.
“Estamos de olho em torno de cinco hotéis”, diz Henrique Blecher, presidente da Bait. “Os hotéis têm mais área construída do que seria permitido para um prédio convencional e via de regra estão muito bem localizados. Pode fazer um residencial com muito mais VGV (Valor Geral de Vendas, uma medida da liquidez de um empreendimento).”
A Bait tem colhido frutos de uma combinação da escolha de pontos disputados com design diferenciado nos seus lançamentos residenciais de alto padrão, como o IVO, onde funcionou a clínica do cirurgião plástico Ivo Pitanguy – o casarão do médico foi preservado como área de lazer do projeto, com apartamentos negociados a partir de R$ 1 milhão.
Entre empreendimentos vistos com potencial de adaptação no uso estão também hotéis recentes e construídos com base em planos de negócio que não se confirmaram. O LSH, inaugurado em 2016 como Trump Hotel, na Barra da Tijuca, é apontado como alvo provável.
O grupo acumula dívidas e entrou em recuperação judicial depois de ter o nome envolvido na Lava Jato. A operação está fechada desde o início da pandemia. Procurada, a gestão do hotel informou que trabalha com uma nova previsão de reabertura para o fim de maio.
A ideia de um novo uso imobiliário passou a ser vista como uma alternativa por sócios do LSH, formados na maioria por fundos de pensão municipais, para recuperar parte dos investimentos. Segundo apurou o Estadão / Broadcast, uma sondagem chegou a ser feita por investidores profissionais interessados numa nova modalidade, mas as conversas não avançaram.
A crise hoteleira também teve impacto outras capitais do País e abriu oportunidades para movimentos de expansão. Para avançar no plano de crescimento para a região Sul e para Minas Gerais, a Uliving diz negociar com cerca de 10 hotéis. “Devemos avançar com dois ou três deles”, afirma Juliano Antunes, presidente da empresa. “Normalmente são hotéis que não pertencem a grandes redes, de família, e que sofrem mais rapidamente.”
Os prédios adaptados acabam moldando um pouco da vida de quem escolhe morar neles. Daniela Souza, 27, doutoranda em linguística na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz passar a maior parte do tempo nas áreas comuns do antigo Novo Mundo, hoje transformadas em coworking pela Uliving.
A escolha pela moradia se deu depois de algumas mudanças de apartamentos tradicionais na cidade ao longo dos quatro anos do curso. Segundo ela, a convivência com os demais moradores no novo prédio ajudou até a abrir portas profissionais. “Num prédio normal, você quase não conhece seus vizinhos.”
Além da localização de fácil acesso, o histórico hoteleiro do empreendimento proporcionou a Daniela um benefício adicional na pandemia: a vista para o Corcovado. “Quando ficamos mais isolados, ajuda muito”, afirma. “Aproveito para me desconectar em alguns momentos.”
Além da unidade carioca, a Uliving prevê investir cerca de R$ 500 milhões nos próximos três anos, com a abertura de até 10 novas unidades de moradias estudantis.
Segundo Ricardo Mader, diretor da consultoria imobiliária JLL Brasil, o interesse na mudança de uso dos hotéis tem mobilizado fundos de investimentos e atraído também capital estrangeiro. “O mercado de hotéis vai demorar um pouco para recuperar, enquanto o residencial está aquecido.”, afirma Mader. “Para alguns (dos empreendimentos), é possível obter um melhor uso do prédio do que o hotel.”
Fonte: Estadão.