Relator do Orçamento de 2021, senador vê espaço para manobra, mas equipe econômica ainda se divide sobre proposta. O governo recebeu do Congresso a sugestão de redirecionar a obras de infraestrutura em 2021 parte dos recursos liberados durante a pandemia da Covid-19 e que não chegaram à ponta. O tema enfrenta resistência no Ministério da Economia.
Os recursos em questão fazem parte do pacote de recursos liberados para estados e municípios por meio dos créditos extraordinários (instrumento previsto na Constituição para casos urgentes e imprevisíveis e que fica fora do teto de gastos, que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior).
O repasse havia sido aprovado com o aval do Congresso e previa dinheiro para o caixa de governadores e prefeitos.
Agora, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, afirma que até R$ 10 bilhões podem ser redirecionados para empreendimentos nas regiões Norte e Nordeste do país.
Bittar esteve reunido com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na noite de segunda-feira (24).
De acordo com o senador, a análise do governo é que nem todos os entes federativos teriam necessidade de usar o recurso que está carimbado.
Segundo dados do Tesouro Nacional, estados e municípios receberiam R$ 79,1 bilhões em repasses relacionados à Covid-19 em 2020 com base em três medidas provisórias.
Desse total, R$ 55 bilhões já foram pagos (uma diferença de R$ 24 bilhões, embora esse número ainda deva diminuir conforme a execução continua).
“A verba da Covid não tem como chegar a todos eles [entes federados] na ponta. Deve ter uns R$ 10 bilhões que não devem chegar. Foi muito dinheiro. Meu estado [Acre] não deve gastar tudo que recebeu em saúde, vai sobrar para investimento”, afirmou Bittar.
“O que é bom também. Esses R$10 bilhões é que estão discutindo [governo] que pode ir, sim, para obras, nas regiões Norte e Nordeste”, disse o senador.
Entre os membros do Ministério da Economia, há entendimento de que há dificuldades para o plano ser executado. Parte da pasta diz que recursos alocados para a saúde não poderiam ser redirecionados a investimentos.
Além disso, ressaltam que o dinheiro foi liberado usando-se créditos extraordinários e que obras não têm caráter imprevisível ou urgente. Portanto, uma realocação de recursos poderia ser inconstitucional.
Mesmo assim, outra ala da pasta afirma que é possível que os recursos sejam realocados desde que não tenham sido carimbados originalmente para a saúde.
Um exemplo disso são os recursos direcionados a título de recomposição do FPE (Fundo de Participação de Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
Para contornar impedimentos legais, congressistas têm sugerido que o redirecionamento seja previsto no projeto do Orçamento de 2021 com a visão de que, uma vez aprovado o texto, o movimento teria respaldo da lei.
Também já falam em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) caso tal proposta não seja suficiente.
Outra opção é direcionar os recursos que sobrarem neste ano à saúde em 2021, e reduzir proporcionalmente o orçamento da área no ano que vem para abrir espaço no teto de gastos.
Técnicos do Congresso afirmam que o redirecionamento ainda está nos planos das ideias e que ainda é necessário verificar, por exemplo, se realmente sobrarão recursos.
De qualquer forma, Guedes tem se colocado publicamente contra propostas que desvirtuem o espírito do teto de gastos. Sinalizações recentes do TCU (Tribunal de Contas da União) também frearam parte das intenções.
Com as promessas de ajuste fiscal, o governo tem avaliado como encontrar recursos para financiar projetos de infraestrutura. Um dos objetivos é direcionar R$ 5 bilhões para obras ainda neste ano.
O valor seria dividido entre os Ministérios de Infraestrutura e Desenvolvimento Regional. As regiões Norte e Nordeste são alvo de Bolsonaro, que já semeia os caminhos para sua campanha à reeleição, em 2021.
Para evitar um avanço maior sobre as verbas da Covid, a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senadora Simone Tebet (MDB-MS), protocolou um projeto de lei a fim de evitar que o recurso de saúde possa ser usado em qualquer outra ação que não seja saúde.
Pelo projeto que destinou R$ 120 bilhões aos entes federados, o recurso precisa ser usado no período do repasse da verba, que encerra no final de setembro.
A proposta de Tebet é que os entes federados possam fazer uso dos valores até 31 de dezembro deste ano, desde que sejam destinados exclusivamente para ações na área de saúde.
Para Tebet, a tentativa do governo de encontrar recursos para obras e investimentos são bem-vindas, desde que a verba não seja a da saúde.
“Desde que não seja dinheiro necessário para salvar vidas, o remanejamento para investimento, em todas as regiões do Brasil, é mais que bem-vindo”, disse a senadora.
Para o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), mesmo que o recurso da ajuda não seja usado no prazo inicial, é preciso que ele seja mantido para estados e municípios carimbados para ações de saúde.
“Eu sou contra essa ideia do governo. Vamos conviver com essa doença por mais tempo e os municípios e estados vão precisar de recursos para a segunda etapa da doença, que é o apoio logístico para a vacinação em massa“, disse Alencar.
“O governo tem de parar de fazer conta burocrática e pensar na vida das pessoas. Acima de obras está a preservação da vida”, afirmou o senador.
Fonte: Folha de São Paulo (25/08/20)