A construção civil no Brasil vive um momento crítico diante da crescente escassez de mão de obra qualificada, um entrave que ameaça frear o ritmo de crescimento e inovação do setor. De acordo com a pesquisa Sondagem da Construção, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), 82% das empresas enfrentam dificuldades para recrutar profissionais capacitados. O dado escancara uma realidade preocupante: a dificuldade de formar e reter talentos se tornou um dos principais gargalos da indústria da construção no país.
Em março, a escassez de mão de obra no setor de serviços especializados atingiu um nível recorde: 70% das empresas relataram dificuldade para encontrar profissionais qualificados, maior percentual desde o início da série histórica, em julho de 2010. O impacto dessa falta já se faz sentir em diversas frentes, com obras atrasadas, custos crescentes e um mercado que perde fôlego para sustentar seu ritmo de crescimento. Não por acaso, o Índice Nacional de Custo da Construção – M (INCC-M) acumulou alta de 7,32% nos 12 meses encerrados em março. A maior pressão veio justamente da mão de obra, cujo custo subiu 9,59%, acima da média geral e bem à frente da variação de 5,96% registrada entre materiais e equipamentos.
A escassez de mão de obra e o aumento dos custos, além do forte choque de juros e das incertezas do cenário global, contribuíram para um aumento geral do pessimismo entre as construtoras no primeiro trimestre, comparado à percepção do mesmo período de 2024.
Projetos comprometidos
Em 2024, a Comissão de Obras Industriais e Corporativas (COIC) da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) divulgou um estudo abrangente sobre a contribuição do setor para o PIB nacional, revelando oportunidades estratégicas para os negócios. Durante o evento de lançamento, Eduardo Aragon, sócio-diretor da BrainMarket, destacou que se espera um volume de investimentos de R$ 600 bilhões entre 2025 e 2028. No entanto, ele alertou que a escassez de mão de obra qualificada pode colocar em risco a implementação desses projetos.
Os dados da FGV são corroborados ainda por pesquisa recente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), revelando que 67% das empresas do setor enfrentam dificuldades em encontrar mão de obra qualificada. Fatores que contribuem para essa crise incluem o envelhecimento da força de trabalho, deficiências no sistema de formação profissional e a migração de trabalhadores para setores mais promissores, como comércio e serviços. Segundo especialistas, para reverter esse cenário é fundamental que o poder público e a iniciativa privada unam esforços para promover a capacitação e a formação continuada dos profissionais.
Turnover
De acordo com a CBIC, a rotatividade da mão de obra também preocupa. Nos projetos de investimentos em novos empreendimentos, os trabalhadores permanecem em média seis meses, enquanto em contratos de operações e manutenção, o período é ainda menor, cerca de 2,5 meses. Cenário que resulta em uma alta taxa de turnover estimada em 1,7 vezes ao ano.
A pressão inflacionária e o aumento das taxas de juros também exacerbam a crise. A Selic, atualmente em 13,75%, tem dificultado o acesso ao crédito, tornando os investimentos em novos projetos menos viáveis. Na dinâmica do mercado, um estudo da BBC News apontou que a confiança do empresariado no setor deteriorou-se; 65% dos construtores afirmam estar pessimistas quanto ao futuro.
Frente a essa turbulência, mesmo que haja uma leve recuperação na percepção do setor, conforme indicam os dados de março, o pessimismo ainda predomina. A necessidade urgente de estratégias eficazes e de políticas públicas que incentivem o crescimento e a sustentabilidade na construção civil é evidente.
O futuro do setor dependerá da capacidade de adaptação diante dessa crise histórica que, se não enfrentada adequadamente, pode comprometer ainda mais seu desenvolvimento e crescimento nos próximos anos.