Imóveis com pendências judiciais e dívidas financeiras, que acabam em obras paralisadas, subutilizados ou mesmo abandonados, compõem um novo e bilionário filão no mercado imobiliário do Brasil: o segmento de ativos estressados.
Embora em condições precárias, eles estão aptos a recuperar a liquidez por meio de ambiciosos projetos de retrofit, o que tem atraído fundos de investimento, construtoras e incorporadoras.
Levantamento recente da empresa Solv, que pertence à Incorporadora Viver, identificou mais de duas mil obras de imóveis paralisadas em todo o país. A unidade de negócios nasceu em 2020 exatamente para dar prosseguimento a oito empreendimentos inacabados do grupo devido a processos de recuperação judicial.
CEO da Viver, Ricardo Piccinini conta que a empresa usou seu caso particular para testar e criar um novo negócio. “Percebemos que havia muitas outras incorporadoras com problema semelhante e ninguém para ajudar a resolver”, diz. Desde então, além de finalizar suas torres, a Solv já investiu cerca de R$ 30 milhões em ativos de terceiros. “Esse é um
Quem vem apostando firme no segmento é a Jive Investments. Desde 2018, já foram aportados R$ 400 milhões em 11 projetos — um deles em Nova York, entregue neste ano. “Esta é uma das principais linhas de negócios da empresa”, diz o sócio João Oliveira.
Segundo ele, o real estate representa cerca de 30% do faturamento da companhia. No Brasil, além de São Paulo, a companhia tem investido em outras capitais, como Salvador (BA). “Somos agnósticos quanto à localização: se observarmos um potencial de ganho, vamos investir.”
DO ABANDONO AO LUXO
Uma das joias raras desse novo segmento deve retornar à vida em 2025: o empreendimento SE7E, da incorporadora Metaforma, no Centro de São Paulo. São três edifícios comerciais vizinhos que pertenciam à Vivo e à Claro, resultado do passivo recebido pela privatização da Telesp.
Ali funcionou por décadas a sede da antiga agência de telefonia do estado. Fechados desde 2010, foram adquiridos por R$ 41 milhões e serão transformados em residenciais de alto padrão, com galeria de lojas no térreo, restaurantes e piscina no rooftop.
O mais emblemático deles é o Edifício 7 de Abril. Todo em art déco, foi inaugurado em 1939, com projeto do escritório Ramos de Azevedo & Severo Villares — o mesmo que assina o do Theatro Municipal de São Paulo e o do Mercadão.
“As características arquitetônicas, a volumetria e diversos outros itens, como as esquadrias da janela, o piso de madeira e os elevadores originais, fabricados nos Estados Unidos pela mesma empresa que fez os do Empire State Building, serão preservados”, explica Bruno Scacchetti, CEO e fundador da Metaforma.
O custo total do retrofit está estimado em R$ 150 milhões, com um VGV previsto de R$ 250 milhões. As obras começam em 2023 e, quando ficar pronto, o complexo idealizado pela Metro Arquitetura contará com 274 apartamentos de 60 tipologias diferentes. Os preços devem variar entre R$ 400 mil e R$ 2 milhões.
“Não há referência semelhante no Brasil com essa qualidade e valor acessível. Se compararmos com o mercado de Nova York, por exemplo, o SE7E seria certamente um imóvel de luxo.”
Outros projetos bem-sucedidos no Centro paulistano pertencem à incorporadora e construtora Somauma, cujo portfólio especializado em retrofit já movimentou R$ 100 milhões. O RBS 700, por exemplo, um combalido prédio de escritórios no bairro dos Campos Elíseos, tornou-se um charmoso residencial com 60 apartamentos compactos, jardim no terraço e loja no térreo. O plus fica por conta da arte grafitada nas fachadas laterais do edifício.
“Acreditamos na regeneração das cidades por meio da transformação desses edifícios e do upcycling dos materiais que usamos nos projetos, o que melhora a qualidade de vida dos moradores e das pessoas que frequentam o bairro”, resume Marcelo Falcão, gestor de Novos Negócios da Somauma.
O projeto mais recente é o Edifício Virgínia, de 1949, que pertencia à tradicional família Matarazzo e está vazio desde 2018. Em fase final de estruturação, vai ganhar 74 estúdios e 59 apartamentos em seus dois blocos, além de restaurante no topo do edifício. No térreo, uma cafeteria, um bar e uma loja de design já estão funcionando e tornaram-se referências modernas na cidade.