Paulo Oliveira

Principais diferenças entre a construção racionalizada e construção industrializada

PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA E CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

Escrito por: Paulo Oliveira – CEO da Aratau Construção Modular

A construção racionalizada e a construção industrializada são abordagens importantes para o setor de construção de edificações e para obras de infraestrutura. Embora ambas tenham como objetivo aumentar a eficácia e a produtividade, reduzir os custos e melhorar a qualidade, há diferenças significativas entre elas e muitas dúvidas sobre estes conceitos, o que tem levado, inclusive, a equívocos na interpretação e apresentação de resultados de pesquisas sobre a evolução da construção industrializada em nosso país, que é um tema de enorme interesse e urgência para o setor de construção.

Para fazermos uma contextualização, ao longo das últimas décadas, extraio da minha dissertação de mestrado os trechos abaixo, que apresentam conteúdo bem estruturado dos ilustres professores Fernando Henrique Sabbatini. Silvio Melhado e Mercia Bottura de Barros:

Segundo Sabbatini (1989, p. 67), 

Racionalização construtiva é um processo composto pelo conjunto de todas as ações que tenham por objetivo otimizar o uso dos recursos materiais, humanos, organizacionais, energéticos, tecnológicos, temporais e financeiros disponíveis na construção, em todas as suas fases.

Melhado (1994), destaca a necessidade de maior ênfase na qualidade, na redução do desperdício de mão de obra e de materiais, e ainda em empenhar maior esforço e cuidado no desenvolvimento do projeto, sobretudo nas primeiras etapas. O uso de técnicas de construção racionalizada deve estar previsto e detalhado na etapa de projeto, de forma a antever a construção, já que o maior empenho nesta etapa tem custo reduzido em relação aos ganhos por elas obtidos. 

De acordo com Melhado (1994, p. 108),

A racionalização é um princípio que pode ser aplicado a qualquer método, processo ou sistema construtivo e, no caso do processo construtivo tradicional, significa a implantação de medidas de padronização de componentes, simplificação de operações e aumento de produtividade, que podem trazer grandes reduções de custo.

O autor também ressalta os principais objetivos da racionalização construtiva:

– redução do consumo de materiais; 

– redução do consumo de mão de obra; 

– padronização de produtos; 

– preparação para a aplicação de técnicas racionalizadas em fases posteriores; 

– aumento do nível de organização do trabalho; 

– redução de problemas patológicos. 

Barros (1996, p. 36) apresenta os cinco pontos a serem trabalhados para a racionalização e redução do desperdício: controle do processo, projetos, documentação, recursos humanos e suprimentos. Na sua visão, 

A racionalização deve ser aplicada de forma ampla no processo de produção. Deve abranger todas as etapas do empreendimento, ou seja, desde a sua concepção, passando pelas etapas de planejamento e execução e chegando até a manutenção do edifício entregue. 

A autora acredita que um dos caminhos procurados pelo setor para a obtenção de melhores resultados é a adoção de novas tecnologias, novas formas de organização do processo de produção e de gestão empresarial. Ela ainda destaca que é fundamental que as Tecnologias Construtivas Racionalizadas (TCR) sejam implantadas, sendo certo que “[..] a implantação deverá ser orientada por uma metodologia específica que possibilite às empresas conduzirem suas ações sempre de maneira sistêmica”. 

Para Sabbatini (1989, p. 63),

A industrialização da construção é um processo evolutivo que, através de ações organizacionais e da implementação de inovações tecnológicas, métodos de trabalho e técnicas de planejamento e controle, objetiva incrementar a produtividade e o nível de produção, e aprimorar o desempenho da atividade construtiva.

Vale destacar, que os conceitos de construção racionalizada e industrializada estão inseridos em um universo maior denominado “Métodos Modernos de Construção” (MMC), que compreendem técnicas, processos e sistemas inovadores, para aumentar a eficiência, a qualidade e a sustentabilidade das edificações. Estes métodos incluem a construção modular, a pré-fabricação de elementos, além de manufatura aditiva, uso de tecnologias digitais, de automação, de robótica e de inteligência artificial. 

CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA E CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

Considerando o Estado da Arte da industrialização da construção, pretende-se revisitar a definição de construção racionalizada e de construção industrializada, de acordo com uma visão mais atual da industrialização da construção. 

Nas definições a seguir também há embasamento em um outro artigo do autor:  “Caminhos para a Industrialização da Construção”, com ênfase para a jornada da industrialização das empresas que atuam com métodos de construção tradicional, que acontece, na maioria das vezes, de forma gradual e incremental, onde no primeiro estágio (ou degrau), não se parte para a ampla industrialização de uma edificação inteira e sim para racionalização dos processos de construção tradicional. Somente nos estágios posteriores (vide Fig. 1), há uma evolução para a inserção de elementos de construção off-site e depois, de construção modular. Atingindo-se o último estágio desta jornada, chega-se a uma edificação totalmente modular (nível máximo da construção industrializada) ou fortemente modular, com elementos de construção off-site.

PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA E CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

Fig. 1 – Etapas de evolução da construção industrializada para a construção off-site e modular (Oliveira, 2022)

Em suma, podemos utilizar, para efeito de melhor compreensão as seguintes definições:

 

CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA

A construção racionalizada envolve o uso de métodos e técnicas avançadas que visam acelerar o fluxo de produção da obra e otimizar o processo de construção, em termos de tempo, recursos e custo. Algumas características da construção racionalizada são a busca pela economia e a ênfase na concepção, no projeto, no planejamento, no controle do cronograma e do orçamento e na minimização do desperdício. A construção racionalizada permite menor nível de padronização e maior flexibilidade do projeto.

São também essenciais para a racionalização, a padronização de processos, o uso eficiente dos materiais de construção, a gestão eficaz do suprimento e a pré-fabricação de elementos.

PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA E CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

Fig. 2 – Construção Racionalizada: Paredes de Concreto (Engenharia 360, 2023)

CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

A construção industrializada vai muito além da otimização de processos e da racionalização de metodologias tradicionais de construção. Trata-se de uma transformação radical na maneira de construir, a partir da produção numa fábrica, em escala, com alta produtividade, precisão, processos padronizados, resultando em níveis ainda mais elevados de qualidade. Na construção industrializada, a padronização é muito maior e há menor flexibilidade no projeto do que na construção racionalizada.

A construção industrializada oferece também maior previsibilidade de custos e prazos. Os elementos, a estrutura (chassi estrutural) e módulos são produzidos off-site, em fábricas especializadas, sendo então transportados e montados no canteiro de obras (on-site). A construção industrializada é uma abordagem ainda mais eficiente e consome menor quantidade de recursos, gera baixa quantidade de resíduos, sendo mais sustentável e aderente às melhores práticas de ESG. 

Destaca-se que o nível máximo da construção industrializada é a construção modular volumétrica (3D), com percentual de industrialização que pode atingir cerca de 85%. Isso implica no menor percentual possível de atividades no canteiro de obras, onde se concentram os principais riscos da construção: problemas climáticos, gestão de grande contingente de mão de obra direta e maiores riscos de segurança, dentre outros. 

A partir dessas definições, observa-se que uma diferença significativa entre estes conceitos é exatamente a localização da produção. Ou seja, na construção industrializada a produção de elementos e módulos se concentra fortemente em uma fábrica. Por outro lado, na construção racionalizada a produção se dá majoritariamente no canteiro de obras, mesmo que haja consumo de maior quantidade de elementos industrializados nos seus processos em relação à construção tradicional não racionalizada. O sistema construtivo “Paredes de Concreto”, por exemplo, é um exemplo de construção racionalizada e não de construção industrializada, diferentemente do que muitos acreditam.

PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A CONSTRUÇÃO RACIONALIZADA E CONSTRUÇÃO INDUSTRIALIZADA

Fig. 3 – Construção Modular (Arch 20, 2022)

CONCLUSÕES

Tanto a construção racionalizada quanto a industrializada representam avanços importantes para o setor da construção civil. Ambas visam aumentar a eficiência, reduzir custos e melhorar a qualidade final das obras. Porém, suas abordagens diferem sobretudo no grau de padronização, flexibilidade do projeto e na concentração da localização da produção. 

Ambas têm espaço no cenário atual da construção civil, como estratégias viáveis para atender a demanda por edifícios mais eficientes e sustentáveis. Há benefícios maiores no emprego da construção industrializada, sobretudo para atender volumes elevados em prazos mais curtos. Isso porque os ganhos de qualidade e produtividade obtidos na construção industrializada são bem maiores.

Destaca-se a importância, seja para a construção racionalizada ou industrializada, do amplo uso do BIM e de processos digitais, além do trabalho de Pré-construção realizado desde a concepção do projeto, por equipe competente e multidisciplinar e também de uma gestão e controle da produção competente, garantindo-se assim os resultados, a eficácia, a qualidade e o desempenho planejados.

 

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REFERÊNCIAS

BARROS, M. Metodologia para a implantação de tecnologias construtivas racionalizadas na produção de edifícios. 1996. Tese (Doutorado) – Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo. 1996. 

MELHADO, S. B. Qualidade do projeto na construção de edifícios: aplicação ao caso das empresas de incorporação e construção. 1994. Tese (Doutorado) – Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.

OLIVEIRA, P. Construção modular: um caminho para o futuro da construção e a relevância da jornada do cliente. 2024. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2024. 

OLIVEIRA, P. A questão da produtividade e os caminhos para a industrialização da construção. E-book. 2023.

SABBATINI, F. H. Desenvolvimento de métodos, processos e sistemas construtivos: formulação e aplicação de uma metodologia. 1989. Tese (Doutorado) – Departamento de Engenharia de Construção Civil, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989. 

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