Quando pensamos em fotografia de arquitetura, é comum imaginarmos imagens de arranha-céus impressionantes, casas históricas ou monumentos icônicos. No entanto, o fotógrafo canadense Christopher Herwig nos apresenta uma série fotográfica totalmente inusitada e surpreendente: paradas de ônibus soviéticas. Longe das habituais fotografias de recém-nascidos, casamentos e paisagens pitorescas, as lentes de Herwig se voltam para estruturas muitas vezes negligenciadas, mas repletas de história e criatividade.
Omsk, Rússia, 2016 | Foto:Christopher Herwig
Herwig empreendeu uma jornada notável que o levou a explorar as ex-repúblicas da União Soviética por 15 anos, documentando meticulosamente centenas de paradas de ônibus esculturais. Como ele próprio coloca, “Fotografei meu primeiro ponto de ônibus soviético por acaso há 20 anos na Lituânia. Desde então, tirei fotos de milhares. Até agora, percorri mais de 50.000 quilômetros de estradas em todos os 15 países.” Sua dedicação e paixão por essa empreitada são evidentes em suas palavras e em cada imagem que captura.
Parada na estrada a sul de Shymkent, Cazaquistão, 2005 – Foto: Christopher Herwig
O que começou como um acaso ao fotografar sua primeira parada de ônibus soviética na Lituânia há duas décadas se transformou em uma missão apaixonada para preservar essas joias arquitetônicas. Viajando por mais de 18.000 milhas (quase 30.000 km) em 14 países como Ucrânia, Letônia, Estônia, Geórgia, Armênia, Bielo-Rússia, Quirguistão, Moldávia, Uzbequistão, Tadjiquistão, Turquemenistão, Cazaquistão, a disputada região da Abkházia.
Gagra, região disputada da Abcásia/Geórgia 2013 | Foto: Christopher Herwig
O projeto de Herwig transcende a mera documentação arquitetônica. Ele revela um insight único sobre a criatividade e a individualidade que floresceram sob as circunstâncias opressivas do regime soviético. Citando Herwig, “Foi totalmente inesperado. Cada vez que você via um [ponto de ônibus], você se perguntava: ‘Qual era o plano aqui?’ Ou, ‘Qual era o propósito?’ Porque tudo na União Soviética parecia arregimentado, planejado e organizado, enquanto os pontos de ônibus não pareciam ter um plano centralizado.”
Região do Gulistan, Uzbequistão, 2018
Segundo o Professor Associado de Russo no Departamento de Línguas e Literaturas da Mundial da Portland State University, Cássio de Oliveira, os humildes pontos de ônibus eram “gazebos para o povo” que forneciam abrigo parcial ao ar livre em estruturas onde os cidadãos soviéticos apreciavam a paisagem e esperavam. As paradas de ônibus, abandonadas e inúteis como podem parecer pelas lentes de Herwig, permanecem como memoriais estranhamente solitários de tal ímpeto coletivista.”
Ordzhonikidze, Cazaquistão, 2005 | Foto:Christopher Herwig
A série de fotografias não apenas celebra a diversidade de designs e estilos das paradas de ônibus, mas também mergulha nas histórias por trás de sua criação. Herwig descobre narrativas surpreendentes, como a de um trabalhador da construção civil que desafiou as convenções ao incorporar bordados locais em um ponto de ônibus, enfrentando a resistência de seus colegas. Essas histórias revelam a luta silenciosa de indivíduos para expressar sua criatividade e identidade em um cenário político restritivo.
The Elephant Bus Stop – Pitsunda/Bichvinta na região da Abcásia/Geórgia | Foto: Christopher Herwig
O lançamento de um documentário intitulado “Soviet Bus Stops” em 2022, que destaca a jornada de Herwig e suas descobertas, solidifica ainda mais a importância dessa série fotográfica. Como Herwig compartilha, “Espero que as pessoas se abram e percebam que não importa o que esteja acontecendo politicamente do outro lado do mundo, há uma diferença entre o que um país faz e o que as pessoas dentro dele estão fazendo. Espero que inspire as pessoas a viajar e a não procurar sempre coisas que são óbvias.”
No entanto, a série também traz à tona uma triste realidade. Muitas dessas obras arquitetônicas únicas estão desaparecendo rapidamente, vítimas da modernização e da falta de preservação. Citando Herwig novamente, “Essas fotos podem ser tudo o que resta no final.” O projeto de Herwig serve como um chamado à ação, instando as pessoas a reconhecer e apreciar a beleza e a significância dessas paradas de ônibus antes que elas desapareçam para sempre.
Em um mundo onde a arquitetura muitas vezes é associada a grandes monumentos e estruturas imponentes, a série fotográfica de Christopher Herwig nos convida a olhar além das paisagens conhecidas e a apreciar a criatividade e a individualidade que se escondem nos lugares mais inesperados. Suas fotografias não apenas imortalizam as paradas de ônibus soviéticas, mas também capturam um pedaço da história humana que vale a pena ser celebrado e preservado. À medida que continuamos a admirar essas imagens únicas, somos lembrados da importância de valorizar as expressões artísticas que florescem mesmo em ambientes desafiadores.
Fontes: National Geographic; Designboom; NYU Jordan Center